“Gente, eu quero a ajuda de vocês. Eu estou tentando falar e vocês não estão acreditando. Por favor, a Desirrê está em perigo. Eu consegui sair do cativeiro, mas a Desirrê ainda está lá. Eu vou tentar salvar ela”. A fala desconexa é de Letícia Maia Alvarenga, de 21 anos, desaparecida há seis meses nos EUA, que postou um vídeo nesta terça-feira (18), por volta das 12h, em que aparece com olheiras profundas e descabelada.
A história está longe de acabar. Letícia, que em sua fala confusa cita até a modelo Yasmin Brunet, está sendo procurada há meses assim como Desirrê Freitas, de 26 anos. As duas, segundo parentes, estão desaparecidas e as buscas já mobilizam as redes sociais e autoridades brasileiras. Após deixarem de fazer contato com as famílias, as jovens, que estariam morando nos EUA, tiveram suas fotos publicadas em um site de prostituição, atividade que é ilegal no país norte-americano. O pai de Letícia, Cleider Alvarenga, registrou queixa de desaparecimento da filha na delegacia de Perdões, em Minas Gerais, onde reside a família.
O caso já chegou ao Ministério das Relações Exteriores, que informou, por nota, que acompanha a situação por meio do Consulado-Geral do Brasil em Houston. O órgão acrescentou que está em “contato estreito com as autoridades policiais norte-americanas responsáveis pela investigação”.
Para as famílias, Letícia e Desirrê estão nas mãos de uma seita ou de uma rede de prostituição. As duas estariam trabalhando para a empresária e coach Katiuscia Torres, conhecida como Kat Torres ou Kat Luz, que não foi localizada para comentar as denúncias. Cleider responsabiliza a empresária pelo sumiço da filha e publicou, em redes sociais, um apelo para que Letícia, desaparecida desde abril, quando esteve no Brasil para buscar documentos, fosse localizada.
Há três dias, ele chegou a divulgar uma denúncia anônima de que a filha estaria atuando como acompanhante de luxo nos EUA, vítima de um esquema de tráfico humano, e pediu a interferência do FBI. A jovem, por sua vez,, apareceu, logo em seguida, numa live, há dois dias, em que fez acusações de abuso contra o próprio pai. Cleider acredita que ela não estava em seu estado normal. Contatado pelo GLOBO, ele contou que Letícia viajou em maio de 2019 para realizar o sonho de morar no exterior através de um programa de au pair, em que trabalharia como babá numa casa de família. O pai de Letícia disse que ontem prestou depoimento por mais de quatro horas na delegacia de sua cidade. Cleider diz que tem o apoio de moradores do município, que estão fazendo orações para o retorno de Letícia em segurança.
— Estou muito abalado, a família toda. Nunca abusei da minha filha. Nós trabalhamos para que ela realizasse o sonho dela. E tudo parecia ir bem, mas de repente ela mudou o comportamento, passou a se distanciar, a nos evitar até que me bloqueou no celular. Ela era uma menina carinhosa, doce, talentosa, fazia doces para vender. Nós acreditamos que ela está sob coação e fora do juízo normal. Estamos apelando a todas as autoridades para que nos ajudem. Minha mulher, meus outros filhos e até uma empregada doméstica que trabalha com a gente desde que ela era criança já desmentiram o que ela está dizendo. Não sei por que está fazendo isso. Estamos muito preocupados — diz Cleider, que é bancário e afirma ter sido bloqueado no celular pela filha após ter tentado contato e ter visto Letícia aparecer em um vídeo, gravado supostamente em um hotel, em que ela parecia estar bêbada ou drogada.
Tanto Letícia, que chegou a atuar como babá, quanto Desirrê teriam ido trabalhar, segundo Cleider, para Kat Torres, no Texas. Ele diz que a filha começou a atuar como assessora da coach espiritual que, de acordo com ele, se apresenta como guru, oferecendo curas e milagres. Desde que a filha se aproximou de Kat, os contatos com a família foram ficando cada vez mais escassos até serem completamente interrompidos. A empresária é autora do livro de autoajuda “A voz”.
Em 2013, ela ficou conhecida após dizer que estava namorando o ator Leonardo DiCaprio, com quem apareceu em uma foto, desencadeando a disseminação de uma série de memes com seu rosto. Kat só apareceu para falar sobre as denúncias das famílias na mesma live, em que Letícia surgiu para provar que estava viva, e não em um cativeiro. Além disso, em uma outra postagem, a jovem defendeu Kat Torres e ironizou as acusações contra ela, dizendo que, como a página da mentora havia sido derrubada, que ela própria passaria a oferecer serviços de bruxaria para quem quisesse “amor, viagens e uma vida perfeita”.
— Ela passou a acreditar mais na Kat do que no pai e na mãe. Mas temos esperança. Sabemos que ela nos ama ainda — diz o pai que tem outra filha e um filho. Laiza Alvarenga, irmã de Letícia, divulgou um comunicado em que nega abusos praticados pelo pai e também a informação da irmã de que tanto ela quanto o irmão eram homossexuais: “Nem eu nem meu irmão fomos ou ainda somos abusados pelo meu pai. Isso é um absurdo. Além disso, nossa sexualidade só diz respeito a nós. No mais, peço desculpas a todos os ofendidos durante a live”.
Amigos e familiares de Desirrê criaram a página “searchingdesirre” em busca de informações. Ontem, Luan Freitas, que se identificou como primo da jovem, fez um apelo afirmando que a família estava desesperada porque ela não era vista desde o dia 19 de setembro: “pedimos às autoridades e a qualquer pessoa que possa nos ajudar com informações relevantes da Desirrê. Sobre os vídeos dela, não é a Desirrê que conhecíamos. Quem conhece ela sabe que não estava falando por livre e espontânea vontade. Ela é uma pessoa extrovertida e muito carismática que não precisaria usar daquela linguagem agressiva”, diz ele. No mesmo post, ele divulga os contatos do Departamento de Polícia de Austin, nos EUA.
Amiga de Desirrê, Patrícia Bertoldo, que conviveu durante anos com a jovem no Canadá, onde ela morou, diz que criou, junto com outros colegas, a página searchingdesirre porque está convencida de que algo aconteceu com ela. Há um mês, Desirrê bloqueou todos os amigos no celular e apagou as páginas que mantinha em redes sociais. Ela deixou o Canadá para morar na Alemanha como ex-marido e, depois de ter conhecido Kat Torres, teria sido convencida a largar o companheiro a se mudar para os EUA.
— Nós chegamos a brigar porque ela só falava na Kat, parecia que estava obcecada. A última mensagem que ela me mandou, quando já a procurávamos, ela escreveu um texto muito agressivo. E ela nem costumava mandar mensagens, preferia áudios, sempre muito positiva e carinhosa. Nesse, ela me ordenava a tirar a página de busca do ar ou ela faria uma macumba para o meu filho, e me chamou de boca de caçapa. Um linguajar muito diferente do que ela usaria. Além disso, eu tenho dois filhos, ela conviveu com eles durante muito tempo, mas estranhamente ela só citou um. Eu acho que outra pessoa pode ter enviado a mensagem no lugar dela – diz Patrícia, que é professora de francês, e revela estar recebendo outras denúncias semelhantes pela página criada no Instagram — Muitas meninas com medo de aparecer estão surgindo para relatar casos parecidos. Muitas mesmo.
Procurada, a empresária, que arregimentava milhares de seguidores na internet, apagou suas páginas e não foi localizada para falar sobre os supostos desaparecimentos. Ainda de acordo com o Ministério das Relações Exteriores, o consulado está “à disposição para prestar a assistência cabível às nacionais brasileiras e a seus familiares, em conformidade com os tratados internacionais vigentes e com a legislação local”. Porém, também destacou que, em observância ao direito à privacidade e ao disposto na Lei de Acesso à Informação e no decreto 7.724/2012, informações detalhadas poderão ser repassadas somente mediante autorização dos envolvidos. “Assim, o MRE não poderá fornecer dados específicos sobre casos individuais de assistência a cidadãos brasileiros”, conclui o comunicado.
Citada por Letícia no vídeo, Yasmin Brunet publicou em seu perfil no Twitter que vai acionar seus advogados e que só entrou na história para tentar ajudar. “Entrei nessa história buscando ajudar, mas agora vendo essa confusão que estão fazendo, entendi que buscam apenas atenção. Só que fazer isso envolvendo um assunto tão importante é chocante. Tráfico humano é um assunto grave, não é para brincar ou ganhar fama em cima. Quanto mais a gente banaliza, mais essas vítimas se tornam invisíveis, parte de um senso ficcional, sendo que esse mercado horrível existe, movimenta muito dinheiro em cima dos corpos das mulheres. Tráfico humano não é fanfic. É assunto sério e urgente”.
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