Uma operação da Polícia Federal no começo de fevereiro apreendeu o que os investigadores consideram ser o “manual de instruções” dos “coiotes”, como são chamados os criminosos que agenciam a migração ilegal de brasileiros para os Estados Unidos.
O documento, encontrado em um casebre em Barra de São Francisco, município no interior do Espírito Santo usado como posto de passagem, continha instruções de como os interessados em atravessar a fronteira deveriam se comportar e se vestir durante o percurso.
As mulheres, por exemplo, não deveriam optar por roupas coloridas, e sim um “blazer bem bonito”, para não chamar a atenção das autoridades americanas, além de “tênis social, fechado”. Para os homens, o manual recomenda roupa social “com a camisa dentro da calça”. Um relatório inédito da PF, ao qual o jornal O Globo teve acesso, mostra a expansão desses grupos criminosos, à medida que a situação econômica piorou para a população brasileira.
A quantidade de inquéritos contra coiotes saltou de 38 em 2019 para 153 em 2021, um crescimento de 446%. Apenas Minas Gerais concentrou 52 dos inquéritos instaurados, 31 deles no ano passado. O número de brasileiros presos tentando entrar ilegalmente em solo americano também explodiu. Foram computadas 78.842 detenções entre janeiro e setembro de 2021, que, segundo a PF, revela um recorde de 290 prisões por dia. Em 2018, foram documentadas 1.589 prisões. Na ação em Barra do São Francisco, batizada de Cristo Rey, a Polícia Federal prendeu uma pessoa e identificou outras nove de uma quadrilha especializada em mandar brasileiros para os EUA. Além do manual de instrução para os migrantes, os agentes encontraram documentos que revelam a forma de agir do grupo, que chegou a abrir uma agência de viagens de fachada. Os valores cobrados de cada migrante chegavam a US$ 25 mil (R$ 116,7 mil, pela cotação de sexta-feira).
Promessas
Os coiotes prometiam, com esse valor, cobrir os custos de todo o processo da migração, incluindo a confecção e a retirada do passaporte em São Paulo, a compra de passagens e a chegada aos Estados Unidos “sem sobressaltos alfandegários”. Para dar ares de legalidade, os criminosos incluíam brasões da PF nos contratos entre a agência de turismo e os interessados. Em setembro, outra operação da PF descobriu um esconderijo onde criminosos mantinham seus alvos no município de Fundão, na Região Metropolitana de Vitória. Nos fundos de uma casa, os investigadores encontraram sete adultos e três crianças que aguardavam as ordens dos coiotes para iniciar a travessia para os Estados Unidos.
Documentos e passagens aéreas encontrados com as vítimas indicam que elas iriam primeiro para São Paulo, de onde pegariam um voo para o México. Em território mexicano, aguardariam um segundo comando para iniciar a travessia por meio do deserto. De acordo com a PF, a casa era usada há dois meses e o grupo estava há quase 20 dias aguardando a viagem. As pessoas dormiam em barracas improvisadas, enquanto a documentação falsa para a entrada em território americano era preparada. Depois de atravessar a fronteira, as vítimas sofriam ameaças dos criminosos até pagar todas as dívidas contraídas para fazer a viagem.
Falsificações
Também no Espírito Santo, em dezembro, a Polícia Federal encontrou em Mantenópolis, no Noroeste do Estado, um escritório de contabilidade que teria emitido 400 passaportes fraudados para migrantes acompanharem coiotes levassem os clientes até a fronteira dos EUA com o México. A PF constatou que 54 passaportes eram de pessoas que já haviam sido presas ao tentar entrar ilegalmente em solo americano.
“É uma viagem terrível, que dura dias. No caminho, principalmente no México, os brasileiros ficam totalmente nas mãos de coiotes. Muitas vezes as mulheres são estupradas, as crianças são sequestradas, as pessoas passam fome”, afirma o delegado da PF Eugênio Ricas, superintendente da Polícia Federal no Espírito Santo, o terceiro Estado do país de onde mais saem migrantes ilegais para os EUA. Ricas diz que os alvos dos coiotes costumam ser pessoas humildes. Havia um vácuo na legislação sobre a atividade dos coiotes até 2017, quando uma mudança no Código Penal criminalizou a obtenção de vantagem econômica com a entrada ilegal de estrangeiros em território nacional ou vice-versa. O Ministério das Relações Exteriores afirma que atua para “sensibilizar o público para os riscos envolvidos nas tentativas de ingresso irregular nos EUA”. O Itamaraty acrescentou que os consulados brasileiros nos Estados Unidos prestam “assistência cabível” aos brasileiros detidos no país. // Fonte: O Sul.
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