Todo início de trabalho em qualquer equipe de futebol do mundo sempre vai exigir tempo, paciência e condições para que o processo de adaptação ao modelo de jogo implementado pela comissão técnica aconteça sem muitos problemas. É assim desde os tempos de Fergus Sutter. Essa é mais ou menos a situação do Flamengo e de Luis Andrade. Anunciado oficialmente não faz muito tempo, o português até que vem conseguindo colocar algumas das suas ideias do time de Darlene, Kaká, Rafa Barros e companhia e conseguindo dar uma “cara” ao time. No entanto, conforme já mencionado anteriormente, o momento é de oscilações e de entrosamento. E a goleada imposta pelas Sereias da Vila nesta quinta-feira (16) escancarou tudo isso. O grande problema não é a derrota em si, mas o discurso paranoico e sem sentido de Luis Andrade ao final da partida falando em “orgulho” e em “equilíbrio” depois de levar três a zero no primeiro tempo.
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— Sereias da Vila (@SereiasDaVila) December 16, 2021
Isso porque o próprio treinador português parece ignorar todo o processo de adaptação mencionado anteriormente. Este que escreve já lembrou em outros momentos que o Flamengo trouxe ideias de jogo interessantes e que vem conseguindo absorvê-las mesmo com todo o contexto desfavorável da Brasil Ladies Cup (competição em final de temporada, gramado sintético, forte calor em Santana de Parnaíba e horário pouco proveitoso para a prática do futebol). Para o confronto contra as Sereias da Vila, Luis Andrade apostou nas entradas de Maria Pimenta e Nayra Pimentinha num 4-4-2 que mais lembrava um 4-3-3 em determinados momentos conforme a movimentação constante de Darlene (uma das únicas lúcidas do escrete rubro-negro) entre o meio e o ataque. Do outro lado, Tatiele Silveira mantinha seu 4-4-2 básico com Ketlen, Erikinha e Analyuza se movimentando bastante na frente da última linha de defesa do Flamengo.
Luis Andrade apostou num ataque formado por Darlene, Maria Pimenta e Nayra Pimentinha para o jogo contra o Santos. O Flamengo até começou a partida com volume ofensivo, mas não demorou muito para que a equipe sofresse com as oscilações naturais de todo o processo. Foto: Reprodução / SPORTV / GE
Enquanto isso, Tatiele Silveira ia explorando aquele que talvez seja o grande problema do Flamengo nesse início de ciclo: a marcação nas bolas paradas. Gi Fernandes e Ketlen aproveitaram os vacilos de Núbia, Stella, Cida e companhia e abriram dois gols de vantagem aos 11 e aos 24 minutos do primeiro tempo. Não era difícil perceber que as Sereias da Vila estavam mais organizadas e muito mais entrosadas com a ideia de jogo da sua treinadora. A ocupação dos espaços acontecia de maneira mais eficiente e o posicionamento defensivo tirava o campo de ação de Darlene, a única jogadora com alguma capacidade de organização no Flamengo. O golaço marcado por Erikinha nasceu justamente desse processo e da ótima leitura de jogo das Sereias da Vila. Laura levanta a bola na área, Ketlen arrasta Sorriso e abre o espaço para a camisa 20 do Peixe atacar e acertar um belo chute. O Santos mandava e desmandava no jogo.
Ketlen arrasta a marcação de Sorriso, Pimentinha não acompanha Erikinha e a camisa 20 entra na área e completa o cruzamento de Laura com um belo chute de primeira. As Sereias da Vila levaram ampla vantagem nos confrontos individuais contra as jogadoras do Flamengo. Foto: Reprodução / SPORTV / GE
As entradas de Rafa Barros e Dani Ortolan deram mais movimentação ao setor ofensivo do Flamengo. Inclusive, as duas construíram a jogada do único gol do escrete rubro-negro numa das poucas jogadas ofensivas que deram certo em todo a partida. Essa foi a senha para Tatiele Silveira dar mais força ao meio-campo das Sereias da Vila com as entradas de Brena e Nicole além de apostar na habilidade de Thaisinha. Mais uma vez vimos Ketlen atacar as costas da última linha do Flamengo no lance do quarto gol santista em Santana de Parnaíba. Com a boa vantagem no placar, o escrete da Vila Belmiro apenas administrou o jogo até o apito final. Enquanto Luis Andrade ainda tenta consolidar seus métodos e suas ideias no Mais Querido do Brasil, Tatiele Silveira inicia um processo de renovação no Peixe dentro de um modelo já bastante assimilado pelas suas jogadoras. E isso faz toda a diferença nessa Brasil Ladies Cup.
O lance do quarto gol do Santos mostra muito bem como o posicionamento defensivo do Flamengo precisa de muitos ajustes. Stella briga com Thaisinha pela posse da bola e ela sobra para Ketlen que atacava o espaço às costas de Cida e Kaylane antes de balançar as redes. Foto: Reprodução / SPORTV / GE
A derrota não é uma surpresa e o resultado elástico não é o pior dos mundos diante de todo o contexto que a Brasil Ladies Cup apresenta para as equipes que estão na disputa pelo título. Isso porque o Santos é uma equipe muito mais ajustada, entrosada e adaptada aos conceitos da sua treinadora do que o Flamengo. Ainda que a expectativa em torno de Luis Andrade seja muito grande por conta da experiência que o time masculino teve com Jorge Jesus, este que escreve lembra que a situação é completamente diferente. O ciclo iniciado no escrete rubro-negro exige tempo, paciência e calma por parte de torcida e dirigentes. O português já mostrou alguns pontos do estilo que quer implementar no Flamengo nesta quinta-feira (16) e nas demais partidas da Brasil Ladies Cup. O processo de entendimento das ideias de Tatiele Silveira, por exemplo, está alguns patamares acima e isso precisa ser levado em consideração.
É por isso que o discurso de Luis Andrade ao final da partida não fez o menor sentido. Ao afirmar que suas jogadoras foram “superiores na segunda parte e o Santos foi superior nas bolas paradas” (confira aos 13 minutos desse vídeo) e culpar apenas os erros de arbitragem é ignorar todo o apelo para que ele tenha tempo para trabalhar e para que se tenha paciência com o processo em curso no Flamengo. A goleada sofrida diante das Sereias da Vila expôs esse momento de transição. Calma e prudência precisam ser os lemas do escrete rubro-negro.
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