Por: Eileen Sullivan (The New York Times — South Portland, EUA) – Em um hotel modesto a poucos quilômetros do oceano, no estado americano do Maine, a maioria dos quartos foi ocupada por famílias de países africanos em busca de asilo: 192 adultos e 119 crianças ao todo. Eles estão entre os mais de um milhão de imigrantes sem documentos que foram autorizados a entrar nos EUA temporariamente após cruzar a fronteira durante o mandato do presidente americano Joe Biden, parte de um recorde de imigração irregular em todo o mundo.
Diferentemente das centenas de milhares que entraram no país sem serem detectados, muitos pediram asilo — um tiro no escuro — e terão que esperar sete anos em média até que uma decisão sobre seu caso seja tomada devido ao entupido sistema de imigração do país.
O hotel é um dos poucos na região, além do abrigo para famílias de South Portland, que oferece alojamento temporário para centenas de novos imigrantes. O estado de Maine, no Nordeste dos EUA, é incomum, pois permite que solicitantes de refúgio recebam apoio financeiro para aluguel e outras despesas, em parte por meio de seu programa de Assistência Geral.
No entanto, o desafio tem sido maior: em maio, autoridades locais anunciaram que a cidade não poderia mais garantir abrigo para solicitantes de refúgio recém-chegados porque as moradias de emergência estavam lotadas.
“A comunidade está crescendo tanto que a notícia de que estamos ajudando está se espalhando”, disse Mike Guthrie, diretor do abrigo de South Portland.
Embora a imigração esteja entre as questões políticas mais debatidas dos EUA, o foco está quase sempre no número crescente de pessoas que procuram cruzar a fronteira Sul. Pouco se fala sobre aqueles que são liberados da custódia do governo para aguardar legalmente as audiências dos tribunais de imigração e que acabam espalhados pelo país. Alguns desaparecem nas sombras, nunca comparecendo nas datas do tribunal ou nos check-ins obrigatórios com o Departamento de Imigração e Alfândega dos EUA. Outros lutam para cumprir os requisitos em um sistema cada vez mais sobrecarregado e desorganizado.
A presença deles é tanto um desafio humanitário quanto um ponto de conflito político para um país dividido e que há décadas não consegue chegar a um acordo sobre quem deve ser admitido e por quais razões. Demora cerca de um ano até que o governo federal conceda permissão aos requerentes de asilo para trabalhar, e não há financiamento designado para ajudá-los nesse meio tempo, como há para os refugiados.
Os milhões que foram autorizados a entrar desde que Biden assumiu o cargo — um número que vem de dados do Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês) e documentos judiciais — são de mais de 150 países ao redor do mundo. Com poucos caminhos para entrar legalmente nos EUA, cruzar a fronteira ilegalmente é, muitas vezes, a única opção para aqueles que fogem do crime e do desespero econômico.
Sob uma regra de saúde pública impulsionada pela pandemia, os migrantes foram rejeitados na fronteira dos EUA 1,7 milhão de vezes desde que Biden assumiu o cargo, um número que inclui algumas pessoas que tentaram atravessar várias vezes. Porém, os EUA permitiram que outros ficassem temporariamente por uma série de razões, inclusive porque o México ou seus próprios países não os aceitarão de volta. Quase 300 mil daqueles que foram autorizados a entrar foram equipados com dispositivos de rastreamento para que autoridades possam acompanhar seus paradeiros enquanto aguardam o dia no tribunal.
“Embora o sistema de imigração esteja gravemente quebrado, o DHS está gerenciando-o com responsabilidade, segurança e humanidade, e garantindo que os caminhos legais estejam disponíveis para aqueles que realmente precisam deles”, disse o porta-voz do DHS, Luis Miranda.
Os republicanos se uniram à mensagem de que o governo Biden é o culpado pelo número recorde de pessoas que cruzaram a fronteira — embora mais de um milhão tenham sido igualmente autorizados a entrar no país temporariamente ao longo de um período de dois anos do governo Trump. Eles veem os migrantes que se entregam aos agentes da Patrulha de Fronteira como um fardo para a sociedade, custando milhões de dólares ao governo.
Contudo, não são apenas os conservadores que estão chateados com a situação. Há muito tempo há consenso entre os partidos de que o Congresso precisa atualizar as leis de imigração do país para enfrentar o desafio atual.
Os detratores de Biden dizem que sua mensagem de boas-vindas aos imigrantes durante sua campanha equivalia a um convite para atravessar ilegalmente. Até mesmo o próprio chefe da Patrulha de Fronteira, Raul Ortiz, sugeriu isso quando foi entrevistado recentemente.
Atualmente, os imigrantes que aguardam o processo podem solicitar permissão para trabalhar 150 dias após o pedido de asilo, um atraso que muitas empresas — principalmente durante a escassez de mão de obra — consideram frustrante. A maioria dos migrantes que ainda não tem um patrocinador no país precisa contar com qualquer assistência pública disponível.
Atualmente, leva entre cinco e sete anos para que os casos de asilo sejam decididos. Se um pedido for negado, há oportunidades para apelar, adicionando mais anos ao tempo de um imigrante no país.
Maria Zombo, uma requerente de asilo angolana e mãe de seis filhos que vive nos arredores de Portland, abriu recentemente uma mercearia africana no revitalizado centro de Biddeford, no Maine. Ela veio ao país com visto de turista há oito anos e ainda não recebeu uma resposta inicial ao seu pedido de asilo. Nesse período, ela começou um negócio, comprou uma casa e teve um filho.
“As pessoas estão passando a vida inteira aqui antes de receberem uma resposta”, disse Conchita Cruz, co-diretora executiva do Asylum Seeker Advocacy Project, uma organização sem fins lucrativos.
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