Mesmo após a prisão de Glaidson Acácio dos Santos e outros sócios, no fim de agosto, a esposa do empresário, a venezuelana Mirelis Yoseline Diaz Zerpa, continuou tocando os negócios da empresa de Miami, nos Estados Unidos, para onde partiu semanas antes de o marido ir parar atrás das grades. A informação consta no relatório final da investigação da Polícia Federal (PF) sobre a quadrilha, ao qual O GLOBO teve acesso. Ao todo, 22 pessoas — Glaidson e Mirelis entre elas — foram indiciadas por crime contra o sistema financeiro nacional, lavagem de dinheiro e gestão temerária ou fraudelenta.
Em uma ligação interceptada com autorização da Justiça. um dos alvos da PF, Diego Silva Vieira, apontado como sócio de Glaidson, conversa com uma mulher não identificada sobre as atividades de Mirelis no exterior. No início do diálogo, ele avisa sobre a prisão do ex-garçom e ex-pastor da Igreja Universal, para espanto da interlocutora.
“Quem vai querer manter um banco com um cara preso? Com suspeita de lavagem de dinheiro? Entendeu? A coisa está muito feia. Vou te passar rapidamente um panorama, pra você ficar um pouco mais tranquila, ou não… O Glaidson continua preso, ele está preso em Bangu”, explica Diego à mulher. Incrédula, ela responde: “Ele está preso… preso? Cadeia? Preso… Prisão?”. O homem, então, esclarece: “Cadeia, cadeia. Está junto com os presos lá. Entendeu? Sergio Cabral… Esse pessoal todo”.
Na sequência, Diego começa a falar sobre a atuação de Mirelis para manter as práticas do grupo em curso: “A Mirelis é quem está tocando os negócios lá de Miami. Ela está nos Estados Unidos. Provavelmente, não vai vir para o Brasil tão cedo”, discursa o rapaz ao telefone, chegando a dizer que a venezuelana “sempre foi a cabeça de tudo”. E que, por isso, seria “bem provável que tudo continue normal”.
O relatório elaborado pela PF cita ainda que, mesmo após a deflagração da Operação Kryptos, que prendeu Glaidson, Mirelis chegou a fazer movimentações de altas quantias no exterior. No total, de acordo com os investigadores, ela sacou mais de 4.330 bitcoins nos Estados Unidos, montante que equivale, na cotação atual, a um valor que supera R$ 1 bilhão. Para a polícia, todos esses elementos indicam que a venezuelana, “de forma remota a partir de um endereço situado na Flórida, EUA, propicia a continuidade dos pagamentos do esquema por ela encabeçado”.
Uma investigação da Polícia Civil do Rio, remetida aos órgãos federais, já havia apontado que Glaidson planejava matricular a mulher em uma universidade nos Estados Unidos. O objetivo do ex-garçom, preso sob a acusação de comandar um esquema de pirâmide financeira, era conseguir um visto americano para, assim, mudar-se em definitivo do Brasil para o exterior, escapando das autoridades. A partir da quebra do sigilo telemático do telefone de Glaidson, também realizada com autorização da Justiça, os agentes encontraram, armazenado em nuvem, o formulário de admissão de Mirelis na Atlantis Universits, uma instituição privada sediada justamente em Miami.
As investigações indicam que ela já havia deixado o Brasil semanas antes da ação. A mulher viajou de Cabo Frio, cidade na Região dos Lagos que era base das operações do grupo, para a capital do estado no dia 23 de junho deste ano, sob forte esquema de segurança. Em seguida, foi para o México e, então, para os Estados Unidos, firmando domicílio em Miami, com visto de estudante. O GLOBO entrou em contato com a Atlantis Universits, mas não obteve resposta sobre Mirelis estar ou não efetivamente matriculada em algum curso na instituição. O nome de Mirelis foi incluído na difusão vermelha da Interpol como foragida.
A apuração da Delegacia de Combate às Organizações Criminosas e à Lavagem de Dinheiro (DCOC-LD) encontrou outros indícios de que o “faraó dos bitcoins” pretendia, tal qual a esposa, fugir do Brasil. “Localizamos também alguns áudios, no aplicativo de mensagens de Glaidson, que corroboram a intenção do investigado de deixar o país e se homiziar nos EUA”, afirma o relatório elaborado pela especializada. Em uma das mensagens, de acordo com os policiais, o ex-garçom agradece a um indíviduo identificado como “Piloto”, ainda não identificado, por “tudo que ele tem feito” para que o casal obtivesse o visto americano.
Os investigadores da Polícia Civil também acharam no aparelho de Glaidson vídeos enviados por um corretor em que é apresentado um imóvel provavelmente situado “em solo americano, pois é possível escutar, ao fundo, pessoas conversando no idioma inglês”. O relatório destaca ainda que “o corretor faz questão de ressaltar que o píer da residência tem capacidade para uma lancha de 70 pés, além de mencionar que naquele condomínio só residem pessoas que ocupam a classe ‘AAA’ da sociedade”.
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